Laura Florence tem mais de 27 anos de experiência no mercado de comunicação. Atualmente é diretora executiva de criação da operação brasileira Havas Health & You. Já passou por agências como Wunderman, Publicis, Ogilvy, R/GA, Isobar e Mcgarrybowen. Ela também é cofundadora do MORE GRLS, uma startup social que visa aumentar o número, o valor e a visibilidade das mulheres criativas nas áreas de publicidade, conteúdo e design.
Vou começar esta reflexão com uma história que vivenciei no último Dia Internacional das Mulheres. Recebi mensagens nas quais li: “Parabéns pelo dia de hoje, guerreira!”.
Do outro lado, eu, que me considero uma feminista ativista, respondi respeitosamente explicando: “Olá, tudo bem? Agradeço a sua lembrança, mas hoje não é um dia para se comemorar. É um dia político no qual podemos discutir pautas que avancem a equidade de gênero. E guerreira pode parecer um elogio, mas é um adjetivo muito pesado para se carregar. Muitas de nós não têm escolha a não ser continuar sendo uma guerreira. Se presume que a guerreira deve estar sempre pronta para a guerra e não precisa de cuidados. Mas muitas de nós estão exaustas”.
Em alguns casos, em resposta à minha mensagem, recebi um pedido de desculpas: “Aprendo muito com você. Não sabia de tudo isso, desculpe”. É aqui que, na jornada da diversidade e inclusão, nos deparamos com a ideia do “eterno aprendiz”.
Vale dizer que o que venho chamando de “eterno aprendiz” se refere a atitudes muitas vezes bem-intencionadas. Ainda assim, esses comportamentos podem reforçar estereótipos ou mesmo incorrer em preconceito. E para mudar, de verdade, esse conceito, é importante conhecer as pautas e temas capazes de fortalecer a cultura da diversidade e inclusão. Feminismo, equidade, meritocracia, privilégio, interseccionalidade, inclusão e ideologia de gênero são termos carregados de significados.
E o alerta aqui é encontrar formas de fazer o “eterno aprendiz” sair da sua zona de conforto de pessoa interessada no tema e fazê-lo procurar informações mais aprofundadas. Como? Ler autores negros, trans, feministas, por exemplo.
Para ajudar, explico de forma abrangente alguns conceitos básicos do universo da Diversidade & Inclusão, como o feminismo: um termo relacionado à luta econômica, política e social por equidade entre homens e mulheres. Vale dizer que “equidade” é diferente de “igualdade”. Isso porque o próprio feminismo entende que homens e mulheres não são iguais, mas deveriam ter o direito de ocupar as mesmas posições.
Quando falamos sobre feminismo interseccional, relembramos a necessidade de colocar o próprio feminismo em perspectiva, levando em conta, necessariamente, questões de raça e classe social. É o que chamamos de pluralidade dentro da diversidade.
E não podemos deixar de mencionar o racismo estrutural, tão presente no Brasil. Ao mencionar a existência e a reprodução do racismo estrutural reconhecemos que há uma discriminação sistemática que favorece brancos e desfavorece negros e indígenas, por exemplo. E isso foi construído não apenas pelo costume como também por leis vigentes através dos séculos. Se esse conceito parece abstrato para você, uma pessoa branca, faça um exercício: quantas pessoas negras estudaram com você na faculdade? Ou ainda: no trabalho, quantas pessoas negras ocupam cargos de liderança?
E, lembre-se, na dúvida sobre um termo ou conceito, sempre vale dar um Google em assuntos que permeiam essa pauta.
Uma das hipóteses para explicar por que os índices de diversidade e inclusão melhoram pouco ano a ano pode estar na existência de muitos “eternos aprendizes” ocupando cargos de liderança. Pode haver um pensamento sobre diversidade por parte dessas pessoas, mas há metas a serem batidas? Há mudanças reais em curso dentro das empresas?
A porcentagem de mulheres no mercado corporativo é a mesma de 30 anos atrás1. A porcentagem dos cargos executivos ocupados por pessoas negras nas 500 maiores empresas do Brasil é de 5%, com um espaço ainda menor para as mulheres negras2. A transformação tem mais chance de acontecer com lideranças mais diversas. E assim, com ações de gestão e campanhas mais inclusivas, podemos vislumbrar mudanças reais no mercado.
Os dados mostram que, desde o início da pandemia, 8,5 milhões de mulheres tinham deixado a força de trabalho no terceiro trimestre de 2020: 36% delas são mães que deixaram de procurar emprego durante a crise3.
Mais do que números, esses dados representam uma realidade concreta, na qual as mulheres foram as mais afetadas na pandemia. Segundo o Fórum Econômico Mundial, em seu relatório pré-pandemia, vai levar 136 anos até que se atinja a equidade de gêneros no mercado de trabalho4. Por isso é importante que possamos ter um envolvimento maior, e para além do discurso, quando o assunto é diversidade e inclusão.
Nós da MORE GRLS fizemos um exercício sobre como transformar cada vez mais “eternos aprendizes” em “transformadores”. E a chave desse despertar é uma só: o conhecimento.
Quando se entra em contato com as reais dores e dificuldades dos grupos minorizados, é muito difícil ficar indiferente. Se você quer ser um “transformador”, comece “dando um Google”. O primeiro passo para essa jornada é ter consciência de que há muito a aprender. Consultorias como a nossa podem ajudar. Mas o primeiro passo é individual. Descubra, antes de tudo, por que o racismo, o machismo e a ideologia de gênero são problemas estruturais na nossa sociedade, e que é preciso mudar o jeito como aprendemos e também a forma como educamos nossos filhos.
Lembre-se de que não é papel das mulheres, dos negros ou LGBTQIA+ explicar para você por que é difícil pertencer a esses grupos. E por favor, não nos dê parabéns no dia 8 de março.
Fonte: Google
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