O que leva uma pessoa a empreender? No Brasil, onde há mais de 14 milhões de afroempreendedores, os motivos são muitos, e têm relação com a cor da pele.1 Para 47% dos empreendedores negros, por exemplo, gerir o próprio negócio está ligado à realização de um sonho.2 Mas esse modelo de negócio também é uma forma de subsistência para eles, já que 50% empreendem por necessidade ou dificuldade financeira.3
Diferentes caminhos, histórias e possibilidades são registrados neste vasto ecossistema do afroempreendedorismo no Brasil. De um lado, vemos uma estrutura social e econômica que impõe mais barreiras às pessoas negras, e de outro, a potência criativa, a resistência e o êxito desses empreendedores apesar das condições adversas.
Os detalhes sobre esse universo do afroempreendedorismo podem ser vistos no estudo inédito “#CoisaDePreto: uma pesquisa sobre a real jornada dos afroempreendedores brasileiros”, realizado pelo Google em parceria com a Box 1824. Os dados revelam detalhes sobre o perfil, o contexto e as principais urgências dos empreendedores negros no país, como a tecnologia e as relações comunitárias ajudam a superar desafios, além de oportunidades para que empresas e a sociedade em geral possam apoiar esses negócios.
Empreender não significa, necessariamente, ter uma empresa formal — pelo menos, essa é a realidade das pessoas que exercem essa atividade no país. Mais da metade dos entrevistados (brancos e negros) não têm CNPJ e 50% também não têm funcionários em seus negócios, nem mesmo eventuais ou informais.4
Durante a pandemia de COVID-19, a incerteza econômica teve impacto importante no orçamento das famílias, e muitas pessoas tiveram que aderir ao empreendedorismo, especialmente as negras. Dezesseis por cento dos entrevistados negros começaram a empreender nesse período, e 20% dizem que cresceram na pandemia.5
Quando questionados sobre o futuro, a maioria dos afroempreendedores está otimista: 73% acham que o negócio deles vai prosperar nos próximos meses — e 45% acham que vai crescer muito.6
Para alcançar essa expectativa de crescimento e sucesso, no entanto, os afroempreendedores enfrentam algumas barreiras. De acordo com o IBGE, 56% da população do Brasil se considera negra, e essa parcela majoritária dos brasileiros sofre cotidianamente com o racismo.7 Entre os empreendedores, o cenário não é diferente: 62% já sofreram algum tipo de discriminação racial ou racismo no mercado de trabalho — e para 92% dessas pessoas, essas situações foram importantes para a decisão de começar o próprio negócio.8
O racismo pode se manifestar de diversas maneiras, e impacta de forma contundente as possibilidades de ascensão na carreira. A maioria dos negros entrevistados que trabalhavam em vagas formais antes de empreender ocupavam cargos hierarquicamente mais baixos. Não à toa, 25% deles começaram o próprio negócio porque se sentiam desvalorizados em seus empregos.9 Ou seja, o empreendedorismo surge na vida dessas pessoas como uma alternativa para a sobrevivência financeira, mas também como resistência e uma possibilidade de crescimento apesar da discriminação.
Outros obstáculos — que têm uma raiz estrutural — também se impõem no caminho dos afroempreendedores, como a falta de conhecimento sobre gestão e o acesso a crédito e financiamentos. Quando questionados sobre qual o principal desafio que enfrentam, no entanto, 62% dos entrevistados dizem que é atrair ou manter novos clientes. Mas quando comparados com os empreendedores brancos, questões financeiras como contas a pagar e organização do caixa pesam mais para os negros.10
Mesmo com todos esses percalços, muitos afroempreendedores conseguem traçar jornadas de sucesso: 75% dos empreendedores negros sentem orgulho da sua trajetória, seja por terem conseguido desenvolver habilidades que valorizam — resposta dada por 27% dos entrevistados —, seja por ajudar a família financeiramente — importante para 25%.11
E sabe aquele verso da música “Principia”, do rapper Emicida: “tudo que nós tem é nós”? Ele é um fato. A relação com a comunidade em que vivem, com vizinhos e com amigos próximos é mais presente nos negócios dos negros do que nos dos brancos. Vinte e sete por cento dos empreendedores negros aprenderam com a família as habilidades que usam no negócio, e 19% dos homens negros aprenderam com vizinhos ou amigos.12
A internet também tem um papel importante em relação ao aprendizado. A partir das respostas dos entrevistados, percebe-se que há uma tendência maior entre os empreendedores negros de aprender por meio de vídeos gratuitos online do que entre os brancos. Além disso, 37% são autodidatas e 33% pagaram por cursos online para se especializar ou adquirir habilidades novas.13
Entre as mulheres negras, isso é ainda mais significativo visto que 41% delas — em oposição a 40% das mulheres brancas — aprenderam as habilidades por meio de vídeos gratuitos na internet.14 O que nos mostra que, se o direito à educação é negado ou dificultado para essa parcela da população, a busca por alternativas precisa ser maior.
Nesse sentido, os dados indicam que as redes são essenciais para o sucesso dos empreendedores negros. De um lado, está a rede de pessoas, que inclui a comunidade, a família e o ecossistema de afroempreendedores. Do outro lado, há a rede tecnológica, que abre um universo de possibilidades, informações e soluções que dão ao empreendedor negro mais ferramentas para prosperar.
Mais de 90% dos afroempreendedores que aumentaram o investimento em marketing digital durante a pandemia notaram algum impacto positivo para o negócio.15 Além disso, soluções como Perfil da Empresa, Google Ads, Google Meu Negócio e plataformas como o YouTube também contribuem na estruturação e divulgação dos negócios.
Como vimos, os afroempreendedores têm importantes desafios a enfrentar durante sua jornada. Vinte e um por cento dos entrevistados negros comprometeram entre 60% e 90% do faturamento com dívidas, enquanto, entre os brancos, 26% têm 10% ou menos comprometido com dívidas.16 E as mulheres negras, por sua vez, são a categoria com menor faturamento — 34% delas faturam até R$ 12 mil por ano.17
Na ausência de suporte generalizado, empreendedores negros criam e fomentam seus próprios ecossistemas há muito tempo. Nesse cenário, a entrada de parceiros não é somente bem-vinda, como também necessária. É importante contribuir com o crescimento de jornadas individuais, mas novos ecossistemas entre potenciais parceiros do mercado também precisam ser criados. Dessa forma, todo mundo sai ganhando.
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