Foi-se o tempo em que o sucesso de uma canção era medido pelo número de cópias vendidas. Hoje, em vez de discos de ouro ou de platina, o êxito de uma produção pode ser calculado pelas visualizações. Lançada em janeiro de 2023, por exemplo, “Bzrp Music Sessions vol. 53”, de Shakira e do DJ Bizarrap, alcançou mais de 450 milhões de views em pouco mais de dois meses. O hit gravado no pequeno quarto-estúdio do DJ argentino — que acumula mais de 6,9 bilhões de visualizações em seu canal — mostra que o consumo de música na plataforma está cada vez mais exponencial.

Mas o que explica um alcance tão grande? Um motivo é o cruzamento entre mídias sociais e plataformas de streaming, que geram um impacto direto sobre a descoberta musical — e sobre o crescimento do fandom de artistas. Outra razão é a própria dinâmica da internet: o algoritmo potencializa os fluxos entre comunidades de fãs e criadores, estendendo a longevidade de um hit. No YouTube, todos esses elementos e experiências se amplificam e criam uma espécie de multiverso musical.

Esse multiverso inclui criação e socialização, e vai além de artistas e gravadoras, para fomentar todo um ecossistema de criadores. Videoclipes, shows, covers, resenhas, curiosidades, tutoriais, coreografias, paródias e remixes ampliam e transbordam os limites das canções. E, ao mesmo tempo, expandem o protagonismo da obra, dando aos fãs a oportunidade de serem coautores do sucesso dos seus ídolos.

É sobre isso que trata a nova edição do YouTube Vibes, “Música ao Infinito”, um estudo que mostra as possibilidades da música por meio da livre circulação de conteúdos gerados pelos usuários. A pesquisa, fruto de uma parceria entre float e YouTube, lança luz sobre diferentes experiências musicais e discute como a reinterpretação de hits pode fazer crescer todo um ecossistema.

Vibe 1: Descentralização musical

A potência da música está na comunidade

Se na década de 1980 víamos o talento emergir de cima para baixo — dos executivos das gravadoras para os ouvintes —, a década de 2020 virou essa lógica de ponta-cabeça, com os fãs conduzindo a tomada de decisões. Um bom exemplo da descentralização musical é como o K-pop vem incorporando a linguagem das fancams (vídeos filmados e editados por fãs com foco em membros dos grupos) e dos challenges (vídeos que mostram as pessoas realizando desafios diversos). Com potencial de bilhões de visualizações, muitas gravadoras e artistas absorvem esses registros amadores em seu conteúdo oficial. Dessa forma, os fãs também acabam sendo criadores.

Sempre que uma música se torna um grande sucesso, por exemplo, uma onda de covers surge quase imediatamente. E não se trata apenas de repetir a obra original, mas de retrucá-la — um formato que tem gerado hits-resposta como este do criador TINN, em que Pedrinho dá seu ponto de vista na narrativa de “Acorda Pedrinho”, da banda Jovem Dionísio. Assim, um cover não é mais “apenas” uma homenagem, mas também um convite ao diálogo, mudando o ponto de vista da narrativa e provocando novas interpretações para uma canção.

A cantora Ariah é uma das criadoras que embarcou no hype da música-diálogo e criou respostas para sucessos como “O Sol e a Lua”, do grupo Pequeno Cidadão, vídeo que acumula mais de 3,4 milhões de views. Ela também compõe músicas inspiradas em seus artistas favoritos, como Pabllo Vittar.

As cocriações, porém, não acontecem apenas com novas letras ou versões. O criador Raphael Vicente, por exemplo, fez enorme sucesso ao desenvolver uma coreografia para “Waka Waka”, de Shakira, e gravar um clipe na favela da Maré, no Rio de Janeiro, onde mora. O vídeo, que tem mais de 238 mil visualizações, chamou a atenção da cantora colombiana, que o compartilhou em suas redes sociais.


Quando a criatividade dos fãs mais engajados passa a ser finalmente reconhecida, a indústria da música se aproxima da dinâmica criada pela indústria dos games, que coloca a comunidade no centro. Cria-se um novo lugar onde criadores e fanbases são tratados como potencializadores de uma obra, ou incubadoras de inovação. E em tempos de descentralização musical, é importante não subestimar o poder criativo de fãs engajados.

Vibe 2: Transes sonoros

Nostalgia musical e seus efeitos entorpecentes

Se antes os gêneros musicais definiam a personalidade e o estilo de alguém, hoje o gosto sonoro é mais um efeito ambiental, uma vibe. Em tese, a abundância de artistas na era do streaming ampliou também nosso vocabulário de músicas, permitindo que encontremos o som perfeito para cada estado mental que desejamos viver e alcançar.

Relaxar, sobreviver a uma segunda-feira, dissociar da realidade, sentir tudo mais à flor da pele. Em transes sonoros, a juventude desenvolve combinações cada vez mais refinadas e complexas, para viver os mais variados estados psicoemocionais e inspirar sentimentos específicos, como a nostalgia. A música passa a ser, portanto, uma linguagem para criar experiências, interações e novas emoções com consumidores.

O Lo-Fi — que vem da expressão em inglês low fidelity, referindo-se à baixa qualidade e complexidade do som — ganha destaque nesse contexto. Remixes e playlists cheios de texturas sonoras e visuais, distorções, efeitos abafados e ruídos analógicos são acompanhados de vídeos com imagens melancólicas ou nostálgicas. O canal No Banheiro da Festa, por exemplo, traz diversas versões de músicas com o som editado para transmitir a sensação de que você está em uma balada, mais especificamente, no banheiro da festa.

Já o criador Felipe Satierf revisita clássicos da música brasileira, criando remixes em versões Lo-Fi, com uma estética de animes dos anos 1990 e imagens dramáticas. Esta versão de “Gostava tanto de você”, de Tim Maia, mistura imagens reais de uma cidade com animação e ainda traz uma caricatura do cantor, com pitadas de psicodelia. O vídeo contabiliza mais de 12 milhões de visualizações.

Vibe 3: Batida das ruas

Vibrando a cultura da espontaneidade rítmica

Paredões automotivos, rodas de samba, batalhas de rima, bailes de voguing, serestas… São muitas as expressões musicais que trazem uma conexão com a cultura local, popular, bairrista, periférica, representativa e ancestral. Depois de dois anos de isolamento, o interesse nesses sons está vibrando com mais força e reflete orgulho identitário, laços sociais e históricos.

Essas manifestações, porém, estão mais presentes na rua, na vivência diária, e não é comum termos acesso a elas na maioria das plataformas de streaming de música. Também pudera: a energia dos artistas e do público nesses eventos vem exatamente de rimas e beats que são feitos ao vivo. Por isso, lives e registros amadores têm amplificado essa mistura de tensão e encantamento, espontaneidade e possibilidades criativas que antes só estavam disponíveis pessoalmente.

Não dá para ouvir maracatu, por exemplo, sem mergulhar também no contexto, na dança, nos rituais, na estética e no universo do ritmo. No YouTube, canais como o de Raffael Ribeiro nos dão a oportunidade de conhecer grupos como o Maracatu Cambinda Brasileira, agremiação tradicional de Nazaré da Mata, Pernambuco. Em seu canal, ele divulga músicas, festas e as danças dos caboclos.

A espontaneidade do rap e das batalhas de rima também ganha mais amplitude na internet. A Batalha Da Aldeia é um encontro que acontece semanalmente nas noites de segunda-feira, na Praça dos Estudantes no centro de Barueri, na Grande São Paulo. Com quase 4 milhões de inscritos, o canal do evento deixa registrado todos os embates freestyle e, dessa forma, consegue dar mais visibilidade aos artistas que participam das disputas.

No meio da mesmice e pasteurização musical, a criatividade do improviso se estabelece como forma de resistência e celebração. Entre a cultura popular e a contracultura, a batida das ruas se apresenta como um convite para o ouvinte sair de casa com a ajuda do YouTube.

Música ao Infinito

A internet abriu novas possibilidades de fazer e consumir música. No YouTube, ela adquire um potencial exponencial, com o engajamento e criatividade dos fãs na propulsão de hits; com o poder de acessar múltiplos estados psíquicos; e com o renascimento da cultura musical popular das ruas em um cenário que pode parecer homogeneizante.

Essas vibes são uma verdade no Brasil, mas também em toda a América Latina. E o YouTube é epicentro dessas transformações que abrem novas possibilidades de conexão e diálogo com o público consumidor.

O YouTube Vibes é um relatório trimestral que se aprofunda em questões relacionadas aos vídeos online e à cultura em torno desse universo. Neste report, trazemos uma investigação qualitativa e quantitativa do time do YouTube Brasil em parceria com a float. Foram feitas mil entrevistas online com brasileiros de todo o país e um grupo focal aprofundado com moradores de São Paulo, Pernambuco, Bahia, Pará e Rio Grande do Sul.

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