Grazi Mendes é executiva de TI, professora e ativista. Trabalha como Diretora de diversidade, equidade e inclusão na Thoughtworks, é cofundadora do “Voa, Papagaio!”, projeto no Morro do Papagaio, em Belo Horizonte, e integrante do conselho de embaixadores da iniciativa empresarial pela Igualdade Racial. Neste artigo, ela discute como construir futuros mais desejáveis e sustentáveis.

Você sabia que menos de um quinto da população confia em executivos de publicidade? De acordo com o ranking de “Confiabilidade Global” feito pela Ipsos, eles estão entre os profissionais menos confiáveis do mundo, ao lado de políticos em geral e banqueiros. No outro extremo dessa lista, por sua vez, estão professores, cientistas, médicos e pesquisadores.

Toda essa desconfiança acende um alerta e provoca um questionamento: o que precisa mudar na imagem da publicidade e dos profissionais da área para que as pessoas acreditem mais neles? Como vencer a resistência à mudança que existe nas agências? E qual o papel da publicidade e dos publicitários na criação de futuros desejáveis que realmente lidem com as transformações que precisam ser feitas?

Profissionais mais confiáveis: Professores – 64%, Cientistas – 61%, Médicos – 59%, Pesquisadores – 37%. Profissionais menos confiáveis: Políticos – 76%, Ministros – 64%, Banqueiros – 53%, Executivos de publicidade – 39%.

Estamos numa encruzilhada histórica porque somos, hoje, os ancestrais do futuro. Ou seja, somos os responsáveis por construir algo pelo qual valha a pena viver amanhã. E o que fizermos no presente poderá gerar impacto na existência do planeta, em relações de trabalho melhores, ou até mesmo em novas maneiras de enxergar as coisas. Por isso, pensar sobre o futuro é entender o potencial de mudança que temos para a criação de realidades preferíveis.

Mas aí, vem o questionamento: que futuro é esse que queremos? Eu acredito que é uma realidade em que as correlações de trabalho, a tecnologia e a sociedade estão interligadas de forma mais eficiente. Para isso acontecer, no entanto, é necessário que as pessoas estejam abertas para outros princípios e adotem uma postura crítica para identificar, nomear e problematizar os desafios que estão impostos desde já. Além disso, é preciso ser capaz de escutar o outro e pensar em projetos com responsabilidade, para atuar por meio do diálogo.

A partir da minha trajetória profissional na área de tecnologia e como ativista, cheguei à conclusão de que há três fatores que são fundamentais na construção de outros futuros: sonho, criatividade e esperança. E, neste artigo, vou explicar como cada uma dessas partes é fundamental para que possamos fomentar o amanhã desde já. Afinal, ou você é parte da construção de um futuro desejável, ou você está construindo o futuro desejável de alguém.

1. Um sonho que se sonha junto é realidade

Onde nascem os futuros desejáveis se não nos sonhos? Eles têm um papel crucial na construção de nossas visões de futuro, bem como na capacidade de transformar essas visões em realidade. A capacidade de sonhar é que faz ser possível imaginar alternativas e possibilidades para além daquelas que já existem e, por isso, ela é tão importante na resolução de problemas.

Para chegarmos a um lugar melhor, o primeiro passo é conseguir imaginar um lugar melhor. Devemos ampliar horizontes para criar futuros melhores.

Trago como exemplo a minha atuação: sonho com um futuro mais plural e inclusivo. E, por isso, atuo todos os dias para que isso aconteça, seja com o programa “Enegrecer a Tecnologia”, que promove discussões e ações com o objetivo de trazer mais pessoas negras para o mercado de tecnologia, ou por meio do “Voa, Papagaio!”, cursinho que tem o objetivo de dar a oportunidade para que jovens, em sua maioria meninas negras, possam ingressar no ensino superior.

Essas experiências evidenciam que sonhos coletivos têm o poder de promover mudanças concretas. Por isso, ao sonharmos com futuros, no plural, abrangendo diferentes possibilidades — sejam elas prováveis, possíveis ou desejáveis —, somos capazes de ensaiar mentalmente o que desejamos para nossas vidas e para a sociedade. Essa jornada começa no plano individual, mas requer o envolvimento coletivo para ganhar forma e se concretizar.

2. O ato de cruzar conhecimentos

Criatividade é uma capacidade intrínseca de todas as pessoas, de todos os seres humanos, não apenas de artistas ou de quem ocupa cargos reconhecidamente criativos. A criatividade está na percepção aguçada, na observação, na compreensão, no imaginar, no intuir e, portanto, na transformação da realidade.

Não há mudança real sem diversidade de vivências, conhecimentos e mentalidades.

Eu acredito que não existe inovação sem diversidade. E onde estão sendo criadas as soluções tecnológicas, inovadoras e conectadas com os problemas reais do Brasil? Nas periferias. São as pessoas periféricas que estão construindo, de fato, iniciativas, empresas e soluções para resolver problemas reais.

Não por acaso, negócios criados em bases de favelas e periferias costumam ser consideravelmente mais comprometidos com a geração de prosperidade e com a transformação econômica — e não apenas com a criação de uma nova plataforma que irá transformar a atual geração de bilionários na próxima geração de trilionários. A força desse movimento pode ser constatada em projetos aparentemente simples, mas que estão profundamente conectados com as necessidades de suas comunidades.

E, por isso, qualquer futuro que a gente queira construir coletivamente precisa levar em conta a diversidade e a inclusão social. Mas isso deve ser feito de forma ética e responsável, para garantir que as tensões sejam entendidas e resolvidas para que novas trajetórias possam ser criadas.

3. Como lançar essas ideias no mundo

Em momentos difíceis, a esperança é um fator crucial para promover a resiliência, a motivação e a perseverança das sociedades. A crença em um futuro promissor incentivou a exploração, a descoberta de novos caminhos e a busca de soluções para os desafios enfrentados pela humanidade.

Agora, mais do que nunca, torna-se imprescindível fomentar narrativas que cultivem a esperança, pois elas têm o poder de alimentar nossa imaginação e nos permitem genuinamente acreditar na possibilidade de mudança. Movimentos poderosos, como o afrofuturismo, o sertãopunk e o amazofuturismo, provam que é possível enxergar o país a partir de perspectivas diversas, encontrando inspiração e legitimidade em cada uma delas. Essas abordagens nos convidam a explorar novos horizontes e a redefinir nosso entendimento coletivo, dando voz a visões ousadas e transformadoras que sustentem a vida em sua essência.

Na construção de trajetórias preferíveis, criar algo novo é tão importante quanto manter e ampliar o que está dando certo.

Entendendo a encruzilhada para hackear o futuro

No sentido figurado, a encruzilhada é um ponto crítico, em que uma decisão deve ser tomada. E, hoje, promover encruzilhadas dentro das agências é fundamental para tensionar as opressões. Isso significa, na prática, desfamiliarizar o familiar; questionar o presente de forma ativa e não aceitar o que é dado como possibilidade única e inquestionável.

O papel da publicidade na criação de futuros desejáveis é um desafio instigante. Como transformar a imagem da publicidade e dos profissionais para serem mais confiáveis? Como superar resistências à mudança e abraçar a responsabilidade de lidar com as transformações necessárias? A publicidade, com seu potencial inspirador de sonho, criatividade e esperança, tem o poder de construir narrativas que impulsionem ações individuais e coletivas rumo a futuros desejáveis. No entanto, é preciso questionar o que é comunicado, qual a diversidade do time que está criando, quem é representado e quais valores estão sendo promovidos.

Temos uma profunda responsabilidade social perante as gerações vindouras, que nos impulsiona a adotar ações e escolhas intencionais. Ao abraçarmos esse compromisso, trilhamos o caminho em direção a futuros desejáveis, marcados por autenticidade, respeito, diálogo, inclusão e justiça.

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